Espaço para interação de cidadãos e cidadãs interessados no debate de políticas públicas para a cultura no município de Santa Cruz do Sul

sexta-feira, 23 de julho de 2010

O samba do alemão batata

Por Iran Pas*

Estava eu um dia desses trocando idéias com meus amigos e colegas historiadores, Mateus Skolaude e o João Paulo Reis, quando surgiu o assunto da polêmica envolvendo a escolha da rainha da Oktoberfest. Estávamos tomando um café na Illuminura e começamos e discutir sobre o acontecimento, não sobre a escolha em si da rainha, mas da repercussão causada pelo fato de a escolhida ter um sobrenome italiano e nascido em outro município de nossa região.

Confesso que esse assunto, que à guisa do "samba do crioulo doido" poderia ser denominado “o samba do alemão batata” me constrange, pois sou um “estrangeiro” em Santa Cruz do Sul, moro nessa cidade (por escolha, assim como poderia ter escolhido qualquer outro lugar para viver), há 18 anos. Por descendência materna e paterna tenho orígem (distante) européia, colonizadora.

Mas, profissionalmente, como historiador, considero que não poderia me furtar de participar da discussão, que ainda repercute, em torno da escolha da rainha da Oktoberfest. É um assunto que transcende o bairrismo e os ranços de uma das mais fechadas sociedades germânicas do Rio Grande do Sul, pelo menos até os anos 80/90. Algumas das declarações feitas no portal GAZ (www.portalgaz.com.br) sobre a coroação da Corte da Oktoberfest beiraram à xenofobia, coisa que deve nos causar repulsa. Parte destes comentários deve ser colocada na conta das famílias e amigos de concorrentes superadas na disputa, pessoas que certamente à revelia do entendimento das candidatas, julgavam ter numa boa tintura “biocolor” ou num sobrenome suas melhores chances de coroação.

Os comentários ali expostos deixam transparecer uma intolerância racial latente. E pensamentos como esses, usados por gente de mente doentia, como já aconteceu na Alemanha e na Itália, podem nos levar para um caminho muito perigoso. Ademais, acredito que está na hora de uma parte da velha elite santa-cruzense e sua caixa de ressonância social na classe média, repensar seus conceitos à respeito de cultura e seus valores como povo e nacionalidade.

Os “verdadeiros alemães” levaram para o maior evento do futebol mundial um selecionado com vários atletas oriundos de outros países, negros e árabes inclusive, que já foram vítimas da xenofobia alemã, por qual motivo devem alguns santa-cruzenses achar que para representar uma cidade cada dia etnicamente mais “brasileira” só pode ser descendente ariano, de sangue genuinamente germânico.

Até onde sei, os europeus não têm muito orgulho daqueles emigrantes que, frente às maiores crises e fomes da história, deixaram o Velho Continente e partiram em busca do “eldorado” no Novo Mundo. Muitos só queriam comer todos os dias. Alguns dos quais eram degradados, miseráveis e os mais incultos integrantes da sociedade alemã da época, mas seus descendentes hoje buscam a consagração em colunas e “status” sociais. E títulos que enalteçam a “germanidade” e uma suposta pureza racial e cultural.

Faz bem a Oktoberfest em dar ao evento a possibilidade de representação da pluralidade da sociedade que constrói esse município, essa região, esse estado e esse país. Hoje, o mundo é plural, democrático.

Está aberto o caminho para que tenhamos, nos próximos concursos, representantes da beleza negra, nativa, indígena, asiática, àrabe e demais representações étnicas que fazem, na verdade, a atual sociedade santa-cruzense. Uma representação que deveria, sim, consolidar-se pela pluralidade dessa festa, e não pelo radicalismo étnico. Um tema que na Alemanha “original”, ainda suscita calafrios.

Outro elemento importante para a discussão é, o simbologismo de rainhas e princesas. O que nos leva a escolher soberanas de festas, feiras, Carnaval, municípios, esportes, etc..? Seria uma inclinação à monarquia? Saudosismo de um tempo de reis e rainhas, senhores de escravos, senhores feudais? Porque o simbologismo de uma corte? Principalmente em um País cuja história mostra ter sido construido por escravos, plebeus, náufragos, bandidos e degredados?

Atire a primeira “kartoffel” aquele de pura linhagem nobre, quem tiver o sangue azul!!

* Historiador e Mestre em Desenvolvimento Regional

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Joaquim Nabuco: um pensamento para entender o Brasil


Alguns dias atrás recebi um convite para falar sobre o pensamento de Joaquim Nabuco no Curso de Formação Sócio Religiosa, organizado pela Igreja Católica, Colégio Marista São Luiz e Departamento de Ciências Sociais da Unisc. Quando comecei a preparar a palestra, dei-me conta do quão pouco se conhece do pensamento dessa importante figura da história, da política e da literatura brasileira. Nas escolas de ensino médio, salvo engano meu, não se aborda o tema com a devida importância, na faculdade, não me lembro de ter sido tratado nada especifico sobre o assunto. Embora Joaquim Nabuco seja estudado por intelectuais da história e da sociologia, esse debate não é levado para dentro da escola e traduzido de uma forma que seja possível, por meio dele, compreender a formação do Brasil, mesmo que, como disse o Ministro Celso Amorim em discurso na Conferência em Homenagem ao Centenário da Morte de Joaquim Nabuco, na Academia Brasileira de Letras, em janeiro de 2010: "Sua contribuição está registrada nos livros que escreveu após 1889. Alguns deles integram qualquer lista de textos fundamentais para se entender o Brasil."

Bem, se é assim, porque a obra de Joaquim Nabuco é pouco estudada, ou seu pensamento quase não é difundido e conhecido por nossos jovens no ensino médio ou mesmo nas faculdades de Direito, Sociologia e Literatura, por exemplo?
Justamente Nabuco que pregava a necessidade de profunda reforma social para que o Brasil pudesse progredir. E, dentre os principais aspectos dessa reforma social, está a universalização da educação, reforma agrária com o fortalecimento da pequena propriedade familiar, e uma reforma tributária na qual os ricos pagassem mais impostos do que os pobres. Defendia a função social da propriedade rural como princípio, não aceitava que grandes proprietários tivessem terras sem serem cultivadas e que outras tantas pessoas não tivessem um porção de terra para produzir. Também condenava a forma de exploração da terra, feita de forma a não cuidar do solo, esgotando-o sem nenhuma preocupação em degradar a natureza.

Na verdade, o que mais conhecemos de Joaquim Nabuco é sua causa abolicionista, e pouco sabemos do quanto ele representa para a diplomacia e a política externa brasileira. Desconhecemos, de maneira geral, que foi ele verdadeiramente o primeiro a pensar um programa político, social e econômico para o País. Nabuco o primeiro a fazer um profundo diagnóstico dos problemas e da realidade brasileira e apresentar um programa de reformas que no seu entendimento colocaria o Brasil na dianteira do progresso e do desenvolvimento.

Infelizmente, cem anos se passaram da sua morte e as reformas por ele propostas ainda são necessárias. A reforma agrária, ou como ele chamava “a democratização do solo” é uma necessidade, na universalização da educação há avanços, mas é preciso melhorar, principalmente no ensino básico, é preciso valorizar o Magistério e criar condições de ensino; na questão ecológica a sua preocupação com a maneira em que o solo era explorado, com o esgotamento da fertilidade, queimadas, derrubada das matas, ainda vivemos esse drama. Parece-me que do seu legado na política externa, como embaixador, há bons frutos sendo colhidos. Nossa política externa tem seguido seus ensinamentos. Já internamente, na modernização da nação, é preciso avançar. As elites brasileiras necessitam mudar, pois  ainda mantêm a mentalidade de senhores de escravos do século XIX.

Por fim, me entristece constatar que um dos homens intelectualmente mais importantes do século XIX no Brasil, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, seja considerado um literato de 4ª ou 5ª categoria, que um personagem da densidade de Joaquim Nabuco, o primeiro a fazer um profundo diagnóstico da realidade brasileira e apresentar um programa de reformas sociais, pouco ou nada seja discutido nas ciências sociais ou políticas e na história.

Trata-se de um dos maiores jornalista que já tivemos, mas sequer é lembrado nos cursos de comunicação social. Enquanto isso, muitos generais com sangue nos punhos e sujeira embaixo dos coturnos, estão ai sendo lembrados e venerados diariamente.
 Iran Pas
Historiador