Espaço para interação de cidadãos e cidadãs interessados no debate de políticas públicas para a cultura no município de Santa Cruz do Sul

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

O financiamento da cultura. Notas críticas às leis de incentivo.

Uma política pública voltada para a democratização e descentralização da ação cultural deve estabelecer contrapesos para a excessiva priorização do marketing no financiamento da cultura por meio de leis de incentivo fiscal. No meu entendimento a política de renúncia fiscal consubstanciada nas leis de incentivo à cultura no Brasil conduz à privatização da cultura e tende a diminuir a diversidade de manifestações culturais, privilegiando aquelas produções com maior potencial de exposição da marca do patrocinador. Ou seja, como estão, as leis de incentivo expressam a renúncia do Estado brasileiro a assumir a sua responsabilidade como formulador de política cultural, deixando que o fomento às atividades culturais no Brasil seja decidido pelos departamentos de marketing de grandes empresas e por uma miríade de “especialistas em captação de recursos” que muitas vezes têm a cultura como o último de seus interesses.
O debate público sobre a perversidade do sistema de leis de incentivo à cultura baseadas em renúncias fiscal é bastante amplo e a insatisfação de produtores culturais sérios em relação a esta legislação tem crescido, como pode ser verificado compulsando jornais e revistas nacionais dos últimos três a quatro anos. Só mesmo o desconhecimento, a desinformação e o descaso com a diversidade cultural podem levar alguém a pensar que as leis de incentivo são o melhor dos mundos. Como diz o cineasta gaúcho Giba Assis Brasil, ganhador de vários prêmios do Festival de Gramado nas últimas duas décadas, “me recuso a entrar em qualquer movimento INCONDICIONAL de defesa das Leis de Incentivo. E, sinceramente, desconfio muito de quem está por trás de um movimento nestes termos”. Chamando a atenção para a necessidade de exigir-se contrapartida do investidor e para a incapacidade desta legislação gerar no empresariado uma “cultura de investimento na cultura”, Assis Brasil destaca a importância de se fazer uma verdadeira seleção de projetos e conclui dizendo: “Não vou entrar em detalhes das distorções conhecidas de todos, mas é evidente que a atitude de ‘aprovar tudo, pra ver quem é que se viabiliza no mercado’ só favorece a picaretagem e dificulta a vida dos produtores independentes”. (http://www.nao-til.com.br/nao-79/incenti.htm)
A questão é que as leis de incentivo permitem às empresas utilizar imposto devido para fazer investimento em cultura, ou seja, utilizar dinheiro público para fazer propaganda institucional e ainda ter retorno financeiro (existem casos em que a dedução fiscal chega a 132% do imposto devido investido). Para minorar este problema, têm-se sugerido a criação de um Fundo Nacional de Cultura e diversos Fundos Estaduais de Cultura. Citando mais uma vez Giba Assis Brasil, “já que todo o dinheiro aplicado é público, então por que ele não é simplesmente arrecadado e devidamente destinado a projetos culturais, através de órgãos públicos competentes?” (idem, ibidem).
A mesma linha de raciocínio é desenvolvida por Yacoff Sarkovas. Conforme Sarkovas, que é presidente da Articultura Comunicação e consultor de patrocínio empresarial, responsável pela reestruturação dos programas culturais de empresas como Petrobrás e Natura, as leis de incentivo a cultura existentes no Brasil constituem “um sistema perdulário e injusto. É perdulário porque cria uma cadeia desnecessária de intermediação. Ao invés de o dinheiro sair em linha direta do caixa público para a ação cultural, cria-se uma cadeia de intermediação porque, para a busca desse recurso em meio a milhares de empresas, exige-se uma série de captadores, gente especializada em formulação de projetos e corretagem, o que dá margem a processos de corrupção. É perdulário também porque, no uso do dinheiro público, as empresas aplicam para fins que nada têm de interesse público. E ele é injusto porque ele não estabelece uma relação entre dinheiro público e interesse público” (entrevista publicada pela Agência Carta Maior e disponível no site Cultura e Mercado no endereço eletrônico abaixo: http://www.culturaemercado.com.br/setor.php?setor=2&pid=601 . Também é importante ler seu artigo publicado originalmente no jornal Estado de São Paulo, Caderno 2, em 15 de abril de 2005 e reproduzido pelo site Cracatoa no endereço eletrônico abaixo: http://www.cracatoa.com.br/2005/makingof/archives/2006/07/por_que_eu_nao.php ).

Penso que o centro da questão do financiamento estatal para a cultura reside justamente na relação entre dinheiro público e interesse público. Dinheiro público só pode ser utilizado para promover o interesse público. E o interesse público é estabelecido por meio de políticas públicas. Ou seja, uma política de governo que defina a importância da cultura e concretize essa definição em termos de rubricas orçamentárias, e uma política de cultura que estabeleça princípios, prioridades e critérios que serão seguidos para a utilização dos recursos.
Com estas anotações preliminares quero alertar para a complexa problemática do financiamento para a cultura. A discussão precisa ser mais aprofundada, mas o fundamento de tudo é que a política cultural precisa vir antes das regras de financiamento e é certo que o Estado tem um papel crucial tanto numa como noutro.

Um comentário:

  1. Sobre este tema recebi um email do Iran com um texto sobre o mesmo assunto. O texto está postado no blog do Iran e pode ser lido lá: http://iranpas.blogspot.com/2008/12/pela-degola-dos-cartolas-da-cultura.html

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