Espaço para interação de cidadãos e cidadãs interessados no debate de políticas públicas para a cultura no município de Santa Cruz do Sul

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

O PAPEL SOCIAL DO ARTISTA

Todo artista tem uma concepção própria do mundo e da realidade, uma visão mais sensível no que a do senso comum e bastante particular. Durante o sublime momento de seu processo criativo sua práxis independe das noções de ética e até mesmo moral de uma sociedade, ele é o senhor de seu universo, um deus, senhor de todos os destinos.

Porém o artista deve ter consigo o fato de que fora de seu mundo de criação ele é um ser inegavelmente político e como tal reflete, mesmo que inconscientemente, a sociedade em que vive e depende para sobreviver. O artista é um agente social como qualquer outro, independenye do fato de viver ou não de sua techne. Sendo assim, ao mesmo cabe também procurar entender, dentro de seu ponto de vista e seus próprios conceitos, qual o seu papel na sociedade, quais serão as suas respostas aos estímulos negativos ou positivos que a sociedade lhe traz.

O artista não está longe dos efeitos da sociedade capitalista e conseqüentemente ele terá de se posicionar quanto a isso. Quando falamos em democratização da cultura temos de ter a consciência de que sabemos o que isso realmente significa e, trocando em miúdos, de que lado estamos. Queremos uma arte para todos? Temos a noção de que a arte é dominada por uma elite? Sabemos que democratizar a arte é levá-la para onde as pessoas não têm acesso a ela? Para que serve a nossa arte? Ou a pergunta seria: para quem serve a nossa arte?

Parafraseando o dramaturgo Augusto Boal, criador do Teatro do Oprimido, "Todos os seres humanos são atores - porque atuam - e espectadores - porque observam. Somos todos ‘espect-atores’”. Tenho certeza de que não há como separar a arte da política, aliás, nada se separa da política, como o próprio Boal comentava, tudo na vida é política, até mesmo quando fazemos amor estamos fazendo política. Esse é papel de quem fala em democracia na arte, levá-la ao povo e as massas precarizadas, tão sedentas de arte e cultura como as elites dominantes.

Não há como viver longe dos dilemas e contradições de uma sociedade capitalista e injusta, em algum momento ela irá nos tocar. Chegará o dia que teremos de sair da caverna e nos cegarmos com a luz e também descobrirmos que o artista tem um papel social e o poder de mexer com a alma e a boca do povo, como explica muito bem a jornalista Rosa Minine, ao se referir ao trabalho da Tribo de Atuadores porto-alegrense Ói Nóis Aqui Traveis: “A rua está repleta de mistificações: a pornografia nas bancas de revista; o consumismo dos outdoors; os enganadores da fé do povo e demais apelos alienantes. Ir para a rua, portanto, tem um conteúdo ideológico cuja diferença está entre adormecer a consciência das massas ou despertá-la. Quando a Arte é colocada a serviço do povo, ela retira dele o melhor de sua obstinação, de sua coragem e determinação de transformar a cruel realidade em que vive, re-elaborando o material e devolvendo a este povo um produto cujo conteúdo e estética são aceitos e reconhecidos como parte de sua luta. E quando isto é feito na rua, constitui-se num verdadeiro embate ideológico com as forças do obscurantismo e do atraso. O povo se identifica com a fala, com os gestos, com a mensagem enfim, e, ao aplaudir, aplaude a si mesmo.”

O artista que não tem o anseio de fazer ou participar disso já escolheu o seu lado e ao fazer isso corre o risco de ser absorvido pelo sistema e, mesmo com o poder de sua arte nas mãos, não conseguir sair da caverna que aprisiona os homens e os ilude com reflexos de uma realidade distorcida, ditada por um sistema político que o diz como pensar e agir, como oportunamente comentava o psicólogo estado-unidense Timothy Leary: “O homem tem uma visão estática e bonita do mundo, impressa nele por meio de associações condicionadas. E o homem acredita que sua visão é a realidade”.


A arte deve deixar de simplesmente refletir a sociedade e passar a ser o seu mecanismo de transformação.



Joe Nunes
Artista Plástico
Segunda-feira, 09 de fevereiro de 2009, 01:39, acompanhado de minha amada e de José Saramago e seu Ensaio Sobre a Cegueira.

Um comentário:

  1. Quero saudar a chegada de mais um autor no nosso blog. Seja bem-vindo, Joe.
    Só com mais gente postando e comentando este blog pode mesmo virar um fórum e cumprir o seu papel. E já em sua primeira postagem o Joe nos propõe uma bela e complexa discussão sobre o papel do artista, ou, em termos mais amplos, sobre a relação arte e sociedade.
    Espero que mais companheiros sintam-se estimulados a compartilhar suas idéias e pensamentos.

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